
Existem no mundo dois tipos de pessoas: as que continuariam sendo suas amigas caso você se tornasse um mendigo, e as que simplesmente te ignorariam por completo, dizendo que você tinha passado dos limites da linha de pobreza e etc e tal.
E, quer queiramos, quer não, conhecemos gente dos dois tipos. E nós mesmos podemos transitar entre os dois mundos! Analisemos meu caso, por exemplo. Enquanto pessoa física e professora de inglês, percorro habitualmente um trajeto arborizado e levemente sinuoso pelas ruas de Perdizes, 100% Z.O., sempre encontrando pelo caminho o mesmo mendigo.
Uma pessoa invisível, que certamente sente sua invisibilidade pelo olhar das pessoas; são olhares desgostosos, que reprimem o cheiro de quem não toma banho, que temem alguma reação pública de protesto quanto a sua miséria evidente.
Mas este mendigo é diferente. É resignado. Como se soubesse o lugar que ocupa, ainda que este tenha lhe trazido a insanidade mental. Sim, ele fala sozinho, chia, resmunga no ponto de ônibus da Alfonso Bovero às 8 da manhã. E depois se acalma. E olha em volta, observa tudo... como se procurasse entender, ou então como se seus olhos estivessem perdidos no vazio da cidade. E estão, mesmo. Ele, mais ainda.
Imagine como se sente: ali, estático, no ponto de ônibus, talvez compreendendo que, por sua causa, especificamente neste dia, todos os bancos ao lado do qual ele estava sentado, estavam vazios. E, no raio de 4 metros, todos de pé, a sua volta. Eu também. Sim, porque ele cospe no chão. E tem os pés descalços e as unhas longas. São unhas longas, em mãos bonitas. Ele tem mãos de mulher, daquelas que trocam fralda em
propaganda de bebê (sobre as quais meu irmão, indelicado ao ver a foto do mendigo bonito, disse que eram unhas para se coçar o saco escrotal. Aff).
Um mendigo bonito, sim. Com olhos claros: azuis, acho. Comentei com meu namorado, e ele me disse que não entende quando as pessoas comentam sobre o nascimento de algum bebê e dizem: "nasceu com olho azul e tudo!". Como se o fato de o bebê ter olhos azuis fizesse alguma diferença no que quer que seja. E então eu dei risada; olhando no fundo de seus olhos azuis (nos do meu amado lindo, não nos do mendigo bonito).
E com toda razão. Aliás, li essa semana num jornal xis, uma coluna de um jornalista xis, dizendo que, o ser humano que se orgulha da cor da sua pele (aplica-se, também, a cor dos olhos), qualquer que seja ela, deve seguir o seguinte conselho: não seja ridículo. Tem toda razão; adorei. Mas não guardei na memória seu nome, por pensar que nunca iria precisar decorar esta informação.
E, hoje, domingo à noite, preparo-me para ir para a cama, na certeza de novamente, amanhã, encontrar, pelo caminho, o mendigo bonito, mais uma vez. Ali, sentado, esperando o futuro chegar.
E será que as antigas namoradinhas do mendigo bonito passam por ele e ainda o cumprimentam? Duvido. O ser humano é assim, mesmo.
Um comentário:
Ó so pra lembrar...
Sou seu fã!!!!! o blog ducaralho!
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