Brenda Ligia-Cinema,TV,Teatro

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Brenda Ligia é atriz, mestre de cerimônias, diretora, apresentadora e locutora trilíngue (inglês/francês). Como atriz, atuou em 15 longas, 12 séries de TV, dezenas de curtas e espetáculos. Prêmios/ ATRIZ -Prêmio de melhor atriz no Brazil New Visions Film Fest (2023) -Prêmio de melhor atriz no Festival Riba Cine RJ (2022) -Prêmio de melhor atriz no Festival CinePE (2017) Prêmios / Diretora: -Prêmio Diáspora no Silicon Valley African Film Festival (USA, 2020) pelo seu curta Contraste, lançado pela MídiaNINJA -Prêmio Empathy no Essential Stories Project USA (2020) pelo seu documentário Ilê -Prêmio Especial no Cine PE (2014) pelo seu documentário Rabutaia CINEMA Cidade; Campo (Berlinale) 2024, Amado (Globoplay, Telecine) Sangue Azul (Netflix), Bruna Surfistinha (Netlix), etc. TV Séries Além do Guarda-roupa (HBO Max), Assédio (TV Globo, GloboPlay), Sob Pressão (Globo), A mulher do prefeito (Globo), etc. MC Brenda Ligia está na lista das 10 melhores mestres de cerimônias do Brasil, via Super SIPAT. Contato: atendimento@castinglab.com.br

30 de abril de 2014

Sobre a Bananização do Racismo

"A melhor maneira de acabar com o preconceito é tirar a palavra. Daí a ideia de criar um ícone para expressar isso: a pessoa comendo banana. Não dá nem pra rir desse con
ceito porque o caso é grave. Milhares, talvez milhões, de pessoas compraram a ideia de que estão fazendo alguma coisa relevante e decisiva para a causa antirracista exibindo suas fotos comendo banana. 
A presidenta Dilma, de quem gostaríamos de ver muito mais empenho em causas importantes para a população negra, apoia essa campanha da Loducca e ainda escreve um tuíte que perigosamente resvala na retomada da ideia de democracia racial: “Vamos mostrar q nossa força, no futebol e na vida, vem da nossa diversidade étnica e dela nos orgulhamos".
Não, a Copa não será sem racismo. A não ser que nos surpreendamos todos com as recém-descobertas propriedades antirracistas da banana. O nosso bom e velho racismo continuará durante e depois da Copa, e talvez apenas não se manifeste durante os jogos. Adoraríamos ser ouvidos e respeitados para além das exigências da FIFA. Racismo é crime! É muito sintomático da impunidade desse crime, perigoso e inaceitável – frise-se: inaceitável – que uma chefe de nação apoie uma campanha que, em vez de pedir punição para um crime do qual muitos brasileiros são alvo todos os dias, incentive o consumo de bananas. A digníssima presidenta tem noção do que ela fez? Racismo no Brasil é crime, presidenta. Inafiançável. Imprescritível. Crime! Anos e anos de luta dos movimentos negros para que racismo seja considerado crime, em um país que aos trancos e barrancos vem relutando em se admitir racista, vão por água abaixo quando uma presidenta acha que está tudo bem “punir” criminosos – frise-se: criminosos – com a “resposta ousada e forte” (palavras dela no Twitter) de se comer banana! Que ela desmonte os sistemas judiciário e penal e instale fazendas de bananas pelo país inteiro, oras; de preferência com uns pretos realizando o trabalho de plantar, colher, recolher e comer. Fiscalizados, é claro, pelo Ministério da Agricultura, como era na época da escravidão.
Olha aí, Luciano Huck, grande oportunidade de investimento! Porque tem ele também, correndo pelas laterais:
Luciano Huck, que parece ter sido super importante para a propagação dessa campanha, com seus milhões de seguidores no Twitter. Tentando lucrar em cima da dor alheia, porque ele e sua família loira nunca foi nem será alvo de racismo, descascou rapidinho a banana de Andy Warhol (ou a camiseta já estava pronta também, assim como a campanha, apenas esperando uma “oportunidade”?), apropriou-se do mote da campanha publicitária e vestiu dois modelos brancos para tripudiar da nossa causa e vender camisetas a R$ 69,00. 
Essa campanha também é racista, e estão tentando nos empurrá-la garganta abaixo, dizendo que não. Essa campanha é vazia, burra, rasa, oportunista, leviana, desrespeitosa, criminosa. Reforça estereótipos e barra o diálogo, e por isso o seu sucesso, já que ninguém quer mesmo se envolver muito com o assunto. Está se sentindo ofendido ao ler isso aqui, porque aderiu e/ou achou o máximo? Vá brigar com a Loducca, o pai do Neymar, o Neymar, o Luciano Huck, a presidenta Dilma, as pessoas que nunca levaram a sério a tentativa de diálogo que os movimentos negros estão, há décadas, tentando estabelecer. Se a gente tivesse conseguido ter esse diálogo, uma das coisas que daria para perceber é a dificuldade de se esvaziar a simbologia impregnada em um ícone racista. A banana é um ícone racista, usado por racistas para xingar negros de macacos. Não é um publicitário que, de uma hora para outra, vai declarar que ela não é mais e, como num passe de mágica, ela passa a não ser. Esse pensamento mágico já foi tentado durante várias décadas, com a democracia racial. A gente sabe que não funciona, e bananas atiradas em campo, guinchos e trejeitos imitando macacos ainda estão aí para provar. Não para negar. Numa comparação bem baixa e um pouco falha, eu sei, mas necessária porque é preciso colocar as coisas em perspectiva, será que o Luciano Huck teria coragem, por exemplo, de vender camisetas estampadas com a suástica, símbolo impregnado de nazismo/racismo, porque um publicitário e um jogador de futebol dizem que, de uma hora para outra, comer biscoitinhos em forma de suástica, e fotografar-se comendo-os, é a melhor maneira de ressignificar esse símbolo e transformá-lo em seu contrário, apagando sua história e acabando com o racismo contra judeus? Pois é. Queria ver. Bem como queria ver também outro chefe de nação dizendo a seus cidadãos judeus que tenham sido vítimas de um “Heil Hitler” com seu gesto característico e com a intenção de ofender e humilhar, que é ousada e forte a atitude de, em vez de exigir punição, brincar de “engolir” a humilhação?
O que aconteceu em campo, com o Daniel Alves (a quem presto toda a minha solidariedade), poderia ter provocado uma discussão produtiva, se não tivesse sido esvaziada por essa campanha infeliz e tivesse sido seguida, principalmente por parte dele, de um discurso um pouco mais consciente e consistente. Dá para perceber o despreparo da maioria dos nossos atletas ao lidar com o racismo quando ficamos sabendo, por exemplo, da atitude (essa sim) dos jogadores de basquete do Los Angeles Clippers. Os caras protestaram contra declarações racistas do dono do time – sim, do dono, não de um torcedor – reunindo-se antes de uma partida, no centro da quadra, retirando seus uniformes e usando as camisas de aquecimento do lado do avesso, escondendo o logo do time.
Ana Maria Gonçalves
Enquanto isso, temos uma presidenta que se presta ao papel de ficar batendo palma para internautas dançarem sobre nossas dores, involuírem com as nossas lutas e comerem banana. Porque ela acha que salientar a nossa origem comum de primatas vai fazer com que racistas, que nem se assumem e nem se sabem racistas, deixem de ser racistas. Às vésperas de uma Copa na qual quer mostrar ao mundo que somos modelo de combate ao racismo.
Se a gente não quer passar mais vergonha ainda, e nem digo como nação, mas como seres pensantes e atuantes em causas que nos são caras (racismo e paz, além de outras coisinhas mais), está é mais do que na hora de tomarmos as rédeas dessa campanha. Na raça. Porque não dá pra confiar nesse povo que está aí no comando, fingindo que pensa o problema, que planeja, que se preocupa e que resolve, enquanto só o empurra pra baixo do tapetão. Que tal pensarmos juntos numa campanha paralela, realista, denunciatória e que eleve o nível dessa discussão?

Douglas Belchior explica: “O racismo é algo muito sério. Vivemos no Brasil uma escalada assombrosa da violência racista. Esse tipo de postura e reação despolitizadas e alienantes de esportistas, artistas, formadores de opinião e governantes tem um objetivo certo: escamotear seu real significado do racismo que gera desde bananas em campo de futebol até o genocídio negro que continua em todo o mundo.”

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