Tem uma magia que só acontece ali, durante os ensaios. A troca, a criação, a repetição, a adaptação, o desafio, a interpretação, o corpo, os sentimentos, os movimentos, a marcação, a pulsação... uma alegria que só se sente quando está fazendo o que gosta, mesmo. O trabalho. As vidas. As linhas (imaginárias ou não). O "se mágico". A memória, a resistência, o físico, a mente. Como é inexplicavelmente bom!
E foi assim que eu e minha amiga de trabalho, Ariane Ferrari, deixamos o teatro naquela noite (de paredão recorde do BBB10, diga-se de passagem); tomadas pela euforia e o bem-estar de toda aquela endorfina liberada durante o ensaio.
Conversávamos animadamente quando a ironia do destino nos sorriu: estacionado em frente ao shopping, o carro da moçoila estava com os faróis, lanternas, e tudo o mais acesos, desde 5 da tarde, sendo que eram 11 da noite, então. Fizemos cara de "putz!". Otimista, ela tentou dar partida. Em vão, pois o carro estava, obviamente, sem bateria. Precisávamos fazer uma chupeta com urgência, antes que ficasse tarde demais para duas madames indefesas nas redondezas de um shopping fechado.
Num olhar cruzado, percebemos que deveríamos correr atrás do restante do elenco, de preferência alguém do sexo masculino (como se tal diferença de gênero garantisse algum tipo de segurança emocional e física a nós, mulheres). Atabalhoada pelo frisson do momento, Ariane (ou Bruxinha Ririca, como é conhecida nos bastidores) deixou cair no chão as páginas soltas do seu texto. As quase 80 páginas facilmente esparramaram-se pelo asfalto, justamente na hora em que o farol abriu e os carros avançavam. Hilária a cena de nós duas, histericamente femininas, catando folhas esvoaçantes ao meio fio, no mais puro estilo "Os Trapalhões" (eu o Mussum, e ela o Zaca).
Ok, fim do primeiro desafio. Corremos ao encontro dos 3 amigos atores-trabalhadores, que deixavam o local naquele mesmo instante. Cada qual com seu carro, e nenhum deles (pasme!) tinha condições de ajudar com a tal chupeta.
Eu troquei de carro com meu marido e deixei lá.
Eu tinha, mas sumiu.
Nova cara de "putz". Unidos pelo uníssono do companheirismo, decidimos que o jeito seria acionar o seguro. Mas Ariane não tinha nem ideia do nome da seguradora, pois o carro era do seu pai, que fizera a apólice na cia do tio do interior, que naquele momento estava no velório de um amigo que falecera na cidade de Botucatu naquela manhã. Parece crônica à la Roque Santeiro, mas é a mais pura verdade.
Desenrolados os devidos trâmites, fez-se o contato. Esperamos. Fechou o shopping. Ventava naquela esquina onde o vento faz a curva. 50 minutos e alguns telefonemas DDD depois... chegou a moto com o mecânico. Êêê, festejamos em coro. Demos os devidos pulinhos que prometemos a São Longuinho.
O processo de ligar aquele treco e fazer a tal da chupeta não chegou a durar nem 1 minuto. Assistimos em silêncio. Pronto. Fechou o capô. Nos despedimos, entramos no carro e cada qual seguiu seu caminho rumo à zona oeste da cidade. Estava certa de que tudo acontece por uma razão, embora muitas vezes não saibamos exatamente qual.
PS.: O filósofo espanhol José Ortega y Gasset (cuma!) definiu ENSAIO como "a ciência sem prova explícita". Só pode ser isso, mesmo.
Dê uma "espiadinha" no site da encantadora de plateias Ariane Ferrari, que também manja tudo de cozinha e de mecânica!
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