Drica, tenho claro em minha mente o
momento em que nos conhecemos. Naquela manhã de setembro você chegou na casinha geminada onde passamos aquele tempo infinitamente arrastado pelas horas. Você já entrou gritando ordens e remexeu o turbilhão que existia dentro da minha personagem.
Até hoje ecoa na minha mente a primeira frase que me disse (na vida fictícia, embora tão real): "engole esse choro!" -foi o que ouvi da Dona Larissa que enxergava através dos seus olhos. Me olhava por cima dos óculos; era de meter medo na Kelly dentro de mim.
Você chegou encantando, dominando, trazendo luz e sombra. O conflito mais que necessário: indispensável. Enriquecedora. Essencial. Cada uma deu vida a pessoas inventadas por outras, e criamos um time denso, real, de forma profundamente inenarrável.
O que vivemos ali não pode ser relatado na íntegra, pois nem imaginávamos o quão longe podíamos ir no exercício da cena, da verdade, do não-desmontar. Convivíamos naquele silêncio triste em contraponto com a gritaria ensandecida ("Favo fecha as janela quando a Dona Larissa começa a grita" - dizia o bilhete de Kelly imantado à geladeira).
A acuada menina Raquel chegou na casinha pra engrossar o caldo, mudando o curso do todo (juro que era impossível enxergar a mulher Deborah naquela pequena perdida no mundo). Foi uma das experiências mais verdadeiras e profundas que já vivi. Naquele mês de setembro nós até sonhávamos com tudo aquilo, sobretudo depois de 60 horas corridas sem dar trégua ao laboratório que viria mudar minha concepção de preparação de elenco.
Não houve, na história do filme, lembrança mais engraçada que o dia em que você estava com a macaca, Drica, e resolveu botar pra quebrar na casinha. Ao despedir-se do "cliente" Seu Nelson (não temos vaga ideia se este é seu nome verdadeiro), um dos atores contratados para visitar o privê em "horário de expediente", você cismou que ele não tinha "acertado" o serviço. Dona Larissa queria dinheiro. Você andava pra lá e pra cá, fitando o senhorzinho por cima dos óculos, e dizendo: "Seu Nelson, o senhor não vai sair daqui enquanto não pagar o que deve". E ele, coagido, quase sussurrando: "Eu queria falar com a Drica Moraes... porque vim aqui por causa de um filme...". E você: "Que filme, Seu Nelson! Aqui não pode filmar nada! Não me cause problemas!"; e ele: "Então vou ligar pro meu agente...", tadinho! hahahaha
FLASH DE MEMÓRIA: o senhorzinho fazendo o gesto de dar dinheiro pra você (de mentirinha), pra ver se saía do jogo, e você olhando com estranheza para a mão dele, vazia: "Quê isso, Seu Nelson! Tá me achando com cara de trouxa!" - hahahaha
Olha, Drica, é impagável a lembrança dele na sala da nossa casinha, beirando o estado de insanidade, perguntando se você não era a atriz Drica Moraes, e você, deslavadamente, dizendo "que Drica que nada, Seu Nelson! Não muda de assunto que o senhor tem que pagar o que deve!". Desde o "engole esse choro!", foi ali que comecei a te amar; e olha que ainda nem sabia que ser humano maravilhoso de coração gigante mora dentro de você. Sinta-se abraçada agora, Drica.