CRIADA MUDA - texto de Brenda Ligia
Essa daria uma ótima doméstica
Civilizada, mucama
Filha do caos, neta da lama
Sem alergia cáustica, sabe anotar recado
Cor do pecado sustenta o patriarcado
Em quem mandar, ela vota
Patriota, é contra cota
Seu candidato enfrenta o sindicato
Mas ela diz que adora Monteiro Lobato
Se assusta, não assanha, depende
A vida é injusta e quando apanha, entende
Tem chave, senha. Não bota no pau
Subserviência folclórica, resquício colonial
Abaixo o empoderamento; sabe seu lugar
Faxina é seu talento; pérolas são pra sinhá
Responde “senhora”, aceita escambo
Dá gosto registrar essa morena jambo
Mansa, cristã. Repulsa Exu, Iansã
Engoma, cozinha
Nunca diploma, ideal pra sinhazinha
Todos os dentes, cavala
Cheiro de cândida exala
Mulata, ancas de escravidão
Benefícios da miscigenação
Aceita a sobra, submissa
Janta o que ninguém quis, carniça
Não rouba, não fede, atriz profissa
Trabalha domingo, não tem família
Mesmo se xingo, espana a mobília
Sadia, sotaque rústico
Criada muda, ouve acústico
Seu mundo numa tela
16 polegadas, 12 vezes, parcela
Sem vício, mordaça
Rejeita cachaça, não bufa fumaça
Mostra todo seu capricho
Limpando merda de gente ou de bicho
Salve a colonização
Supletivo é sua única ambição
Sucumbe aos séculos de dominação
Anula seus sonhos, extingue sua pele
Escarra a lambança que a senzala expele
Servil, lava a mancha de sangue que a História mascara
Escancara a ferida que sempre existiu
E nunca, nunca sara
Brenda Ligia
*27 de abril, dia da empregada doméstica*
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Criada Muda, texto de Brenda Ligia |
“78% das trabalhadoras domésticas no Brasil são mulheres negras. Esse não pode ser o único lugar e também não pode ser uma profissão hereditária para as mulheres pretas”.
Lázaro Ramos (Na Minha Pele).
Texto, voz e vídeo: Brenda Ligia Miguel
Imagens de diversas trabalhadoras afro-brasileiras em exercício da função; entre elas, as atrizes Brenda Ligia, Cici Antunes e Taty Godoi, do Coletivo Pérola Negra, que continua na luta por uma sociedade igualitária.
O Audiovisual Brasileiro, que é branco, hétero, masculino e elitizado, é um reflexo desta sociedade racista que ainda pensa de maneira escravagista e não enxerga seus privilégios.
Precisamos contar nossas próprias Histórias, pois nossos passos vem de longe.
Obrigada,
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