Locação: praça no centro da cidade.
(Suja, escura, podre)
Como zumbis, seres se agrupam em torno de uma causa comum: decadência sem elegância. Crack. Mata.
Chegam num bando de uns 8. Param na esquina. Conversam. Se movimentam muito, e rapidamente. Fissura.
Então começam a surgir outros; inúmeros deles. Brotam tal qual passe de mágica, como se surgissem das trevas, do solo, do nada. Do vazio.
O de capuz atravessa a rua, com seu gingado à la maloca, inconfundível. Junta-se ao bando. E também vem o mendigo com cobertor nas costas. E o cara de bicicleta. E uma mulher muito magra, pele e osso, praticamente. E tantos outros, todos iguais, incontáveis. Agitam-se, juntos. Articulam. Trocam coisas, físicas e espirituais: só energia ruim, dá pra sentir de cara.
Logo, ouve-se o clicar de isqueiros impiedosos, que, em flash brusco, queima neurônios um a um, carbura sonhos e vontades, destroi o desejo de viver e acende a chama que os queimará no fogo do inferno.
E não me refiro àquele inferno clássico, religioso, não. Estou falando do próprio inferno no qual eles já vivem. O inferno de estar numa praça no centro da cidade, numa segunda-feira besta de outubro, às 3 da manhã chuvosa, atrás de crack em rodinha de nóia. Em cada rosto, uma expressão de desgosto. Pessoas vazias. Tristes. Olhares perdidos, que não veem nada. Que inferno deve ser não ter vontade de preservar o único bem precioso: a própria vida!
O carro de polícia se aproxima, vagarosamente. Giroflex ligado, para ser notado. Olham. Dispersam, como moscas que circundam excremento. E seguem, então, para uma próxima esquina, em busca das mesmas coisas que nunca vão encontrar. Só vazio e dor. Abandono e fraqueza. Sucumbem. Morrem. E talvez a morte física não seja pior que a deles... anseiam por isso.
Seria sua libertação, finalmente?
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PS.: Agora, madrugada dessa mesma segunda-feira, eu, quentinha e confortável aqui no meu leito, escrevo esse texto numa respirada só. Tudo que vi foi da janela da locação, pois estamos filmando no centro da cidade. Horário de verão, o dia chegou. E termino aqui meu singelo relato, na certeza de que, para aqueles zumbis, nunca vai amanhecer. Noite, noite, noite sempre... tipo inverno na Finlândia, aff, imagina.
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