*algo feito apenas para preservar as aparências, sem que efetivamente ocorra*
Sábado me senti patriota: orgulho de ser brasileira! Levamos um amigo inglês pra passear na "discoteca" mais fervente de São Paulo, A LOCA (perto do coração da cidade, Avenida Paulista). Justo eu, que para tolerar o gênero musical "putz-putz", tenho que estar com muita boa vontade na ideia. E estava. Fui junto. Me diverti. Que orgulho de ser brasileira, ali numa balada cheia de brasileiros "do bem". Todos com um intuito comum: diversão, sem penetrar no caminho de ninguém.
Nosso amigo gringo, Mr. English, se divertia a valer. Fazia sucesso entre os jovenzinhos emotivos que transitavam no local, vindo abordá-lo. Eu traduzia tudo e explicava, solícita, as diferenças entre as baladas de Londres e as de SP, entre tantas outras coisas. Meu amigo, primeira noite no Brasil, vibrava com o clima, com a música, com os rapazes...
"Vamos embora, já é tarde" - resolvemos, lá pelas tantas. Todas concordamos que Mr. English deveria ficar mais, voltando pro hotel de taxi, quando bem entendesse. "I'm on vacation, I'll enjoy", que quer dizer "estou de férias, vou aproveitar" -ele disse, tendo como resposta gritinhos quase histéricos que saíram espontaneamente (e em coro) das bocas das meninas presentes (eu inclusive). Sábia decisão hedonista, pensei.
A parte boa da história, "pra inglês ver", termina aí. Desse ponto em diante o que vier é desfecho trágico ou consequência violenta.
No dia seguinte, após meio dia (óbvio), alguém resolveu ligar pra ele pra saber se queria almoçar fora. E nada de atender. Clima tenso. O dia inteiro extendendo o suspense; e nada dele atender telefone. Até que resolveram ir até lá. Tamanho foi o choque ao verem que ele foi ESPANCADO. Está com olho roxo, braços cheios de hematomas, com dificuldade pra respirar, coitado. Murchou por completo; não mais sorri, é um ser pequeno numa terra estranha, inóspita. Está nu. Sim, é uma metáfora.
Mr. English, nosso novo amigo gringo, gente boníssima, que apanhou na primeira saída aqui em São Paulo, disse que não se lembra de nada, absolutamente nada. Do momento seguinte a nossa partida na noite anterior, tudo é black out e dor. A da alma ainda maior que a física. Ele só sangra por dentro; está coagulado.
Hoje, terceiro dia no Brasil, está sem celular, sem relógio, sem dinheiro (levaram), e, sobretudo, sem vontade de viver a vida e aproveitar as férias (roubaram). Eu, com vergonha de ser brasileira. E, pra testar sua fé, Deus ainda mandou uma chuvarada forte de segunda-feira braba, só pra alagar toda a cidade e deixar Mr. English chovendo baixinho e sozinho.
*sobre a expressão "pra inglês ver": a origem da expressão tem várias versões, mas provavelmente deriva de uma situação vivenciada no Período Regencial da história brasileira. Os britânicos, que tinham explorado a escravidão durante mais de duzentos anos, sobretudo monopolizando o tráfico de negros africanos, passaram a liderar os movimentos antiescravistas. Em 1826, a Inglaterra obrigou o Brasil a firmar um tratado de abolição do tráfico, o que não foi efetivamente cumprido, fazendo circular pela Corte o comentário de que o Regente Feijó fizera uma lei só "para inglês ver" - fonte Wikipedia.
PS.: Agora é tarde e vou dormir. Boa noite, cinderela...
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