Por falar em mãe, a minha adorava bater perna no centro de São Paulo. Eu, criança de uns 6 anos, andava segurando seus dedos gordinhos até o Mappin da Praça Ramos. Meu irmão, descolado, ia solto atrás da gente, misturando-se à multidão apressada. Num desses passeios em família, a polícia teve certeza que meu irmão, suposto trombadinha, estava prestes a assaltar a distraída senhora quase branca, alheia ao perigo que o próprio filho representava à sociedade brasileira. Foi parado para revista; o primeiro baculejo gelou a espinha do moleque de 10 anos. Não sabia que mais tarde, já adolescente, corintiano e negro, teria que provar a outros racistas que morávamos, realmente, no edifício Lugano da Avenida Higienópolis.
Texto de Brenda Ligia no portal Blogueiras Negras |
Voltando aos anos 80, com voz trêmula, meu mano berrou: “manhê!”. Quando mamãe olhou pra trás e viu a cria sendo apalpada pelos gambés, bradou feito leoa ninja. Abriu-se um clarão; o povo curte show de amor explícito. A bolsa da liquidação do Mappin, que carregava presa ao peito, voou rasante rumo aos homens da lei, sob os gritos de “Larga meu filho!” e “Vai prender bandido!”. Os fardados, acuados pela fúria da Dona Marizia (soltava fogo pelas ventas) e cientes da violência cometida, sepultaram as armas como quem pede desculpas e finalmente tiraram as mãos do menor “de família”. Assustada, só chorei por dentro. O povo dispersou. A bichona-leoa Marizão (quem conhece, sabe) se aprumou numa elegância coreografada e, com mãos firmes de mãe forte, nos segurou pelos pulsos (um filho de cada lado). Na volta pra casa, ninguém largou a mão de ninguém e seguimos na cumplicidade silenciosa de uma família tipicamente brasileira. São sempre os nossos que sangram primeiro.
Texto de Brenda Ligia Miguel, publicado no Blogueiras Negras
Dedico às mães-feras que, para blindar seus rebentos, travam árduas batalhas todos os dias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário